Por Claudio Mendonça
Introdução
O adicional de periculosidade é um direito trabalhista fundamental destinado a proteger trabalhadores expostos a riscos significativos em suas atividades profissionais. Previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), este adicional visa compensar financeiramente os empregados que exercem suas funções em condições que ameaçam sua integridade física. Este artigo explora a fundamentação legal do adicional de periculosidade, examina as súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e discute entendimentos e controvérsias jurídicas que permeiam sua aplicação, com foco especial no uso de motocicletas.
Fundamentação Legal
A base legal para o adicional de periculosidade encontra-se na Constituição Federal de 1988 e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):
- Constituição Federal de 1988, Art. 7º, XXII: Garante a proteção dos trabalhadores contra os riscos inerentes ao trabalho, prevendo a redução desses riscos por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
- CLT, Artigo 193: Define as condições para o pagamento do adicional de periculosidade. Segundo o artigo, são consideradas atividades ou operações perigosas aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente a inflamáveis, explosivos, energia elétrica, roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. A partir de 2014, com a Lei nº 12.997/2014, o uso de motocicletas também foi incluído expressamente como atividade perigosa.
- Lei nº 7.369/1985: Originalmente regulamentou o adicional de periculosidade para eletricitários, sendo posteriormente expandido para outras categorias, como trabalhadores expostos a riscos de explosão e contato com inflamáveis. Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
O Tribunal Superior do Trabalho consolidou importantes entendimentos acerca do adicional de periculosidade por meio de suas súmulas: - Súmula 361: Garante o pagamento integral do adicional de periculosidade mesmo que o trabalho em condições perigosas seja realizado de forma intermitente. Esse entendimento assegura que, independentemente da frequência, a exposição ao risco é suficiente para justificar o pagamento integral do adicional.
- Súmula 364: Impede a redução do adicional de periculosidade através de acordos ou convenções coletivas, mesmo que seja proporcional ao tempo de exposição ao risco. A súmula reforça a ideia de que o adicional é uma medida protetiva irrenunciável.
- Súmula 448: Estabelece que o adicional de periculosidade deve incidir apenas sobre o salário-base do empregado, sem considerar outros adicionais ou vantagens. Esse posicionamento busca simplificar e uniformizar a base de cálculo do adicional. Entendimento Jurídico e Jurisprudência
Reconhecimento do Direito ao Adicional para Motociclistas
O uso de motocicletas para trabalho é uma atividade que envolve risco significativo, justificado pelo alto índice de acidentes de trânsito. Com a inclusão dos motociclistas no artigo 193 da CLT pela Lei nº 12.997/2014, o TST reconheceu o risco inerente a essa atividade, justificando o pagamento do adicional de periculosidade. Esse entendimento prevalece mesmo após a nulidade da Portaria 1.565/2014 do MTE, que explicitamente listava essa atividade como perigosa. A jurisprudência do TST tem confirmado que o adicional é devido com base na exposição ao risco de trânsito, sem necessidade de perícia para comprovação. Cumulação com Outros Adicionais
A possibilidade de cumular o adicional de periculosidade com outros adicionais, como o de insalubridade ou atividades externas, é um tema recorrente em disputas trabalhistas. A legislação permite a cumulação em situações específicas, e a jurisprudência tem mostrado flexibilidade, principalmente quando há previsão em normas coletivas. Por exemplo, carteiros que utilizam motocicletas podem receber adicional por periculosidade e adicional por atividades externas, desde que exista previsão contratual. Perícia e Caracterização da Periculosidade
Embora a realização de perícia técnica não seja obrigatória para a concessão do adicional de periculosidade a motociclistas, em algumas situações específicas, a perícia pode ser necessária. Isso ocorre, por exemplo, quando além do risco de trânsito, o trabalhador está exposto a outros perigos, como o transporte de produtos inflamáveis. Nessas situações, a perícia é útil para avaliar a intensidade dos riscos adicionais e fundamentar a concessão do adicional. Periculosidade Intermitente
A Súmula 361 do TST assegura o pagamento integral do adicional mesmo em casos de exposição intermitente ao risco. Este entendimento visa garantir que o trabalhador receba a proteção financeira mesmo que o risco não seja constante durante todo o período de trabalho. Contudo, há divergências na aplicação desse entendimento, especialmente em atividades onde a exposição ao risco não é contínua e evidente. Controvérsias e Interpretações Divergentes - Base de Cálculo do Adicional
A definição do que compõe o salário-base para o cálculo do adicional de periculosidade é um ponto de debate. A jurisprudência tende a considerar o salário contratual como base, excluindo comissões, gratificações, e outros adicionais. Contudo, casos de trabalhadores com remuneração variável continuam a gerar controvérsia quanto à inclusão desses componentes no cálculo. - Cumulação com Adicional de Insalubridade
Embora a legislação geralmente vede a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, entendendo que um exclui o outro, há decisões que permitem essa cumulação quando os riscos envolvidos são distintos e ambos os adicionais são devidos por motivos diversos. Por exemplo, um trabalhador exposto a riscos de produtos químicos (insalubridade) e eletricidade (periculosidade) pode, em tese, reivindicar ambos os adicionais. - Periculosidade por Equiparação
Casos de periculosidade por equiparação, em que a atividade não é explicitamente listada como perigosa, mas apresenta riscos semelhantes a outras que são, continuam a desafiar a jurisprudência. O reconhecimento da periculosidade nesses casos depende de uma análise detalhada dos riscos e das condições de trabalho, o que pode variar conforme a interpretação de cada tribunal. Conclusão
O adicional de periculosidade é uma ferramenta essencial para proteger trabalhadores expostos a condições perigosas. Sua aplicação envolve uma complexa interação entre a legislação, a interpretação judicial e as condições específicas de cada atividade profissional. Embora a inclusão dos motociclistas como beneficiários do adicional represente um avanço na proteção dos direitos dos trabalhadores, a contínua evolução da jurisprudência e a diversidade de situações encontradas no ambiente de trabalho exigem atenção constante de empregadores, empregados e operadores do direito.
O reconhecimento dos direitos e a correta aplicação das normas são fundamentais para assegurar a proteção à saúde e à integridade dos trabalhadores, promovendo um ambiente de trabalho seguro e justo. O debate sobre o adicional de periculosidade deve continuar evoluindo, acompanhando as mudanças nas condições de trabalho e nos entendimentos jurídicos, para garantir que todos os trabalhadores em condições de risco sejam devidamente protegidos e compensados.
Autor: Claudio Mendonça é advogado, pós-graduado em direito previdenciário, com vasta experiência em processo trabalhista, bem como, em ajudar as pessoas a conhecer seus direitos trabalhista e previdenciário.
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