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COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM NA ANÁLISE DE CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E A POSIÇÃO DO STF SOBRE A TERCEIRIZAÇÃO

Atualizado há 3 meses ago.

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INTRODUÇÃO

Por Claudio Mendonça

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, trouxe nova luz sobre a competência para julgamento das relações de prestação de serviços no Brasil. Em um julgamento envolvendo a TVSBT Canal 4 de São Paulo S/A, a Suprema Corte reafirmou que a Justiça Comum deve ser a primeira instância a analisar a regularidade de contratos civis ou comerciais, transferindo à Justiça do Trabalho apenas as questões de vínculo empregatício se a nulidade do contrato for reconhecida. Esse entendimento impacta profundamente as dinâmicas contratuais e trabalhistas, delineando fronteiras mais claras entre as esferas civil e trabalhista.

A decisão vem como um marco em um cenário no qual a terceirização e a chamada “pejotização” têm sido amplamente utilizadas para flexibilizar as relações de trabalho, ao mesmo tempo em que desafiam o modelo tradicional de relação empregatícia. Este artigo examina a relevância da decisão do STF para o Direito do Trabalho, o Direito Civil e o Direito Processual, bem como os impactos práticos nas relações contratuais e nas interpretações judiciais acerca da terceirização e da competência jurisdicional.

PANORAMA HISTÓRICO

Ao longo dos últimos anos, o STF tem consolidado seu entendimento sobre a terceirização e a flexibilidade nas relações de trabalho, enfrentando resistência significativa da Justiça do Trabalho. Decisões anteriores, como a ADPF 324 e a ADC 48, constituem precedentes importantes ao afirmar a legalidade da terceirização inclusive para atividades-fim. A ADPF 324, em especial, reconheceu que a livre iniciativa e a liberdade econômica são pilares constitucionais que devem ser preservados, afastando a presunção de ilegalidade na terceirização.

A resistência da Justiça do Trabalho, no entanto, reflete um receio de precarização das condições de trabalho, o que explica a recorrente tentativa de manutenção de vínculos empregatícios em situações de terceirização. A decisão do STF desafia essa visão, propondo um caminho alternativo em que a Justiça Comum tem o papel inicial de avaliar a legalidade do contrato, separando-o da relação de emprego propriamente dita.

FUNDAMENTOS DA DECISÃO

A decisão do Ministro Gilmar Mendes na Rcl 72.873 é fundamentada na necessidade de preservar a competência da Justiça Comum para análise de contratos civis. O entendimento do STF é que a validação do contrato comercial deve ser discutida primeiro na esfera civil, prevenindo a Justiça do Trabalho de decidir sobre direitos trabalhistas quando há um contrato formalmente válido. Apenas em caso de nulidade do contrato seria adequado remeter a questão à Justiça do Trabalho para averiguar eventuais direitos de natureza trabalhista.

Esse posicionamento se baseia em princípios constitucionais e legais, como a livre iniciativa e a autonomia privada, fundamentados no artigo 170 da Constituição Federal. A decisão visa a proteção da organização produtiva e da liberdade contratual, sendo uma resposta à tentativa da Justiça do Trabalho de expandir sua competência.

COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

A decisão reforça o papel da Justiça Comum em analisar os contratos de prestação de serviços, delineando a competência para a Justiça do Trabalho apenas nos casos em que o contrato é considerado nulo. Esse fluxo processual garante que contratos regidos pelo Código Civil, como os de representação comercial ou de prestação de serviços, sejam respeitados até que se comprove algum vício capaz de anulá-los.

Esse entendimento amplia o alcance da ADI 5.625 e da ADC 48, que defendiam a licitude da terceirização e da contratação de autônomos em atividades-fim. Com isso, o STF reafirma sua posição de que as relações civis e comerciais devem ser analisadas fora da esfera trabalhista, permitindo à Justiça do Trabalho atuar apenas nos casos que envolvam fraudes comprovadas ao direito do trabalho.

IMPACTOS PRÁTICOS

As implicações práticas dessa decisão são vastas, afetando diretamente empresas e trabalhadores que firmam contratos de prestação de serviços. A terceirização e a pejotização, práticas comumente adotadas no mercado, passam a ter respaldo jurídico reforçado, ampliando a previsibilidade para as empresas. Contratos de prestação de serviços com cláusulas civis bem redigidas terão maior segurança, pois os julgamentos iniciais estarão na Justiça Comum, o que também reduz a possibilidade de reversão para vínculo empregatício.

No entanto, essa decisão também exige maior cuidado das empresas, pois contratos fraudulentos, que tentam disfarçar uma relação de emprego, podem ser anulados. Assim, é necessário que o contrato tenha respaldo legal claro e que a prestação de serviços seja real, sem subordinação, para evitar futuras contestações na Justiça do Trabalho.

ANÁLISE DE CASOS ESPECÍFICOS

A aplicação do entendimento do STF ganha clareza quando analisamos categorias específicas de prestação de serviços. Em situações envolvendo advogados associados, representantes comerciais e transportadores autônomos, a decisão ressalta a importância de distinguir as relações comerciais das trabalhistas.

  • Advogados Associados: Em muitos casos, advogados são contratados como associados, firmando contratos de parceria civil com escritórios. Nesses casos, o STF reconheceu que, mesmo se presentes elementos como habitualidade e exclusividade, a relação pode manter sua natureza civil desde que respeite a autonomia do contratado. O Rcl 60.118-AgR, julgado em 2024, destaca que eventuais abusos devem ser analisados pela Justiça Comum, sem descaracterizar a associação civil.
  • Representantes Comerciais: Outro exemplo é o contrato de representação comercial regido pela Lei nº 4.886/65. O STF, por meio do Tema 550, ratificou que essas relações não configuram vínculo empregatício. A Justiça Comum é a competente para dirimir conflitos, especialmente em casos onde a subordinação e a pessoalidade são reduzidas, preservando a independência do representante.
  • Transportadores Autônomos: A decisão na ADC 48, que confirmou a validade da Lei nº 11.442/2007, é outro exemplo. O STF entendeu que a contratação de transportadores autônomos de carga, mesmo em atividade-fim, não constitui vínculo trabalhista. Este entendimento é relevante para setores de logística e transporte, que se beneficiam de maior flexibilidade organizacional, assegurando a manutenção da relação comercial.

CRITÉRIOS DE DIFERENCIAÇÃO

Para que um contrato civil seja válido e reconhecido como tal, é essencial que a relação de trabalho observe critérios diferenciadores, como subordinação e pessoalidade. Elementos como a autonomia do contratado, a ausência de controle direto e a execução da tarefa sem subordinação são fundamentais. Nos casos em que esses requisitos estão ausentes, a Justiça Comum deve analisar o contrato, assegurando que não há elementos caracterizadores da relação de emprego.

O STF esclarece que a mera contratação de serviços por pessoa jurídica (PJ) não constitui fraude por si só. No entanto, se constatada subordinação estrutural ou poder diretivo, como ocorre em algumas formas de “pejotização” forçada, a natureza da relação pode ser questionada, e a Justiça do Trabalho passaria a ser competente para julgar a relação.

IMPACTOS NEGATIVOS DA DECISÃO DO STF

Antes de considerar o vínculo trabalhista, O STF trouxe avanços na delimitação de competência jurisdicional. Entretanto, apesar do objetivo de reforçar a autonomia e a liberdade contratual, a decisão levanta preocupações no âmbito trabalhista, especialmente pela possibilidade de precarizar as relações de trabalho e enfraquecer a proteção ao trabalhador.

PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Uma das principais críticas recebida e merecidamente é o risco de aumento na precarização das relações de trabalho. Ao permitir que atividades-fim sejam terceirizadas sem uma avaliação imediata pela Justiça do Trabalho, a decisão abre espaço para a “pejotização” — prática em que trabalhadores são contratados como pessoas jurídicas (PJs) para evitar custos e encargos trabalhistas. Essa prática torna-se um artifício para afastar direitos fundamentais assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como férias remuneradas, 13.º salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), entre outros.

A terceirização sem garantias adequadas pode resultar em situações em que o trabalhador, ao se ver sem a proteção da CLT, enfrenta condições de trabalho mais inseguras, com menor poder de barganha, e, muitas vezes, sem os direitos e benefícios que lhe seriam devidos em uma relação de emprego. Isso afeta principalmente as classes de trabalhadores menos favorecidas, que, por sua vulnerabilidade, encontram-se mais expostas a contratos civis abusivos.

DIFICULDADE DE RECONHECIMENTO DE FRAUDES

Outro ponto crítico diz respeito à capacidade da Justiça Comum de identificar fraudes trabalhistas com a mesma precisão que a Justiça do Trabalho. A Justiça do Trabalho é tradicionalmente capacitada para lidar com nuances das relações trabalhistas, possuindo um corpo técnico especializado para averiguar contratos que mascaram a realidade de um vínculo de emprego por meio de contratos de prestação de serviços civis. No entanto, ao transferir a competência inicial para a Justiça Comum, contratos fraudulentos podem passar despercebidos, dificultando o reconhecimento de relações de emprego disfarçadas.

Assim, casos onde empregadores buscam descaracterizar a subordinação, a habitualidade e a onerosidade como elementos do vínculo trabalhista podem demorar a ser desmascarados, o que prejudica a efetiva proteção dos direitos do trabalhador. Esse cenário aumenta a insegurança jurídica para trabalhadores que, devido à falta de uma análise trabalhista imediata, podem ser expostos a condições de trabalho em desconformidade com a CLT.

SOBRECARGA DA JUSTIÇA COMUM

A decisão do STF também traz um impacto direto na estrutura do Poder Judiciário, com o aumento da carga processual para a Justiça Comum. Ao se tornar a primeira instância para avaliar a validade de contratos civis, a Justiça Comum enfrenta um incremento significativo no volume de processos, o que pode resultar em uma maior morosidade processual, prejudicando a celeridade e a eficiência na resolução de litígios.

O sistema judicial brasileiro enfrenta desafios estruturais de lentidão, e essa transferência de competência pode agravar a situação, sobretudo em localidades onde a demanda processual é elevada. Isso também implica em uma diminuição da eficácia do acesso à Justiça, especialmente para trabalhadores que buscam reconhecimento de vínculo empregatício e que, por limitações financeiras e de recursos, podem enfrentar dificuldades em obter uma resposta rápida e justa.

DESPROTEÇÃO DE TRABALHADORES EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE

A decisão parte de uma premissa de igualdade entre as partes contratantes, o que, na prática, raramente se verifica em relações que envolvem trabalhadores em posição de desvantagem. O trabalhador autônomo ou o prestador de serviços com menor poder de negociação geralmente aceita contratos civis por necessidade, mas frequentemente sem as garantias adequadas que a Justiça do Trabalho poderia assegurar.

Ao transferir o julgamento inicial para a Justiça Comum, perde-se a análise trabalhista imediata que protege o trabalhador em situações de vulnerabilidade. A Justiça do Trabalho, ao contrário da Justiça Comum, é mais sensível às particularidades das relações laborais e tem um papel histórico na defesa dos direitos dos trabalhadores. A decisão do STF, ao desconsiderar essa especificidade, coloca em risco a segurança jurídica de trabalhadores que dependem da proteção legal para evitar abusos contratuais.

REDUÇÃO DE PRECEDENTES TRABALHISTAS PARA CONTRATOS FLEXÍVEIS

Ao retirar a análise inicial de muitos casos de terceirização e pejotização da Justiça do Trabalho, perde-se um número considerável de precedentes trabalhistas que poderiam contribuir para o entendimento das novas modalidades de trabalho. A Justiça do Trabalho tem sido pioneira em consolidar jurisprudência sobre a flexibilização contratual, estabelecendo parâmetros claros para o reconhecimento de fraudes e para a proteção de trabalhadores em condições laborais atípicas.

A perda de precedentes limita o desenvolvimento de um arcabouço jurisprudencial que poderia esclarecer melhor as diferenças entre o contrato civil legítimo e o vínculo empregatício disfarçado. Essa lacuna pode enfraquecer a capacidade dos tribunais de interpretar e aplicar corretamente a legislação trabalhista, prejudicando a segurança jurídica e dificultando a defesa de trabalhadores em condições contratuais questionáveis.

CONCLUSÃO

A decisão do Supremo Tribunal Federal, embora ambiciosa em modernizar o panorama das relações produtivas e reforçar a autonomia da Justiça Comum, carrega riscos substanciais que podem comprometer a segurança e proteção do trabalhador brasileiro. O afastamento da Justiça do Trabalho para a análise inicial de contratos civis abre portas para práticas abusivas de “pejotização” e terceirização sem as devidas garantias, precarizando relações de trabalho que antes gozavam de proteção e previsibilidade jurídicas.

Ao delimitar a competência da Justiça Comum para contratos civis e comerciais, o STF, ainda que buscando garantir liberdade de organização produtiva, expõe o trabalhador a uma justiça que não está adaptada com as fraudes laborais, contribuindo para a vulnerabilidade daqueles que se encontram em posição de desvantagem. Além disso, o impacto dessa decisão sobrecarrega a Justiça Comum, fragilizada, e potencialmente atrasa o acesso à proteção adequada para os trabalhadores, promovendo um ambiente de maior insegurança jurídica.

A medida exige que tanto o legislador quanto o sistema judicial tomem precauções adicionais, uma vez que a distinção entre relação civil e trabalhista nem sempre é clara. A falta de parâmetros bem definidos ameaça desvirtuar o contrato civil em detrimento da real natureza da relação de trabalho, criando um campo fértil para interpretações que podem fragilizar direitos sociais duramente conquistados.

Por fim, apesar de sugerir uma evolução, a decisão do STF precisa ser recebida com extrema cautela. Ela deve ser acompanhada de regulamentações e fiscalização eficazes para evitar que a liberdade de organização contratual seja usada como pretexto para burlar direitos trabalhistas. A harmonia entre o avanço econômico e a proteção social requer que o Judiciário observe com rigor a materialidade das relações de trabalho, a fim de não sacrificar o equilíbrio entre modernização e justiça social.

Falar com Claudio Mendonça.

Autor: Claudio Mendonça é advogado, pós-graduado em direito previdenciário, com vasta experiência em processo trabalhista, bem como, em ajudar as pessoas a conhecer seus direitos trabalhista e previdenciário.

Saiba mais:
https://claudioadv.com.br


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